Nomofobia. Esse neologismo vem da fusão das palavras da língua inglesa “no” (não), “mobile” (móvel, de mobilidade) e “fobia” (o mesmo em português), que significa uma reação exagerada de medo e aversão de ficar sem aquela extensão digital “inseparável” do nosso corpo que chamamos de telefone celular ou smartphone, a ponto de ter sintomas de ansiedade ou mesmo pânico quando acaba a bateria e não há carregador por perto e não se sentir seguro ou confortável até que a tela esteja acesa de novo.
O termo nomofobia foi cunhado em 2008 pelo serviço de correios do Reino Unido durante uma pesquisa do governo que partia da suspeita de que havia algo preocupante na forma como os britânicos se relacionavam com seus aparelhos eletrônicos de bolso. E desde então é usado para designar um conjunto de comportamentos e sintomas que a ciência está investigando.
Se você desconfia que tem vício em celular, acha que deveria passar menos tempo olhando para a tela do seu aparelho, percebe que não aguenta alguns minutos sem conferir as novas postagens nas mídias sociais, sente que é inadiável abrir toda e qualquer notificação de aplicativo, mesmo as menos importantes, ou chega a ter taquicardia quando se dá conta de que saiu de casa sem o telefone, continue lendo para entender do que se trata.
A presença massiva de smartphones pessoais com tecnologias de comunicação multimídia à distância no cotidiano das pessoas mudou muito nossa percepção de quão acessíveis podemos estar uns aos outros. Com um aparelho desse anexado ao corpo 24 horas por dia, temos a sensação de que nossa rede social está, literalmente, sempre à mão. E achamos que é assim que deve ser.
Se uma faísca de tédio acena no intervalo entre uma atividade e outra, num instante podemos expulsar esse (hoje tão insuportável) sentimento nos distraindo com as postagens disponíveis na mídia social ou no aplicativo de mensagens. Se bate a solidão, rapidamente podemos chamar alguém para nos fazer companhia digitalmente — ainda que não seja verdadeiramente um amigo. Se algo traz medo, basta ligar para alguém que possa prestar socorro. Se uma alegria nos invade, podemos tentar dividi-la com nossos seguidores imediatamente, mesmo que eles estejam do outro lado do mundo.
Nada disso seria possível nem considerado indispensável se ainda estivéssemos na era do telefone analógico e das cartas de papel. Naquele tempo, era absolutamente normal só ficar sabendo que alguém telefonou horas depois, quando finalmente chegávamos ao local onde ficava o telefone e alguém passava o recado. E era muito prazeroso esperar semanas até que chegasse a resposta àquela carta de amor ou de amizade que nós levávamos pessoalmente até a agência dos correios. A comunicação instantânea era, para a maioria de nós, restrita às conversas presenciais e à conexão por fios.
Uma vez que nos acostumamos à total conectividade, a ponto de sequer considerar deixar o telefone longe da cama na hora de dormir, o que antigamente era normal pode ser sentido como muito difícil. Em alguns casos, essa hiperconectividade pode ter aspectos de vício.
O número de aparelhos de telefonia móvel comprados e usados no Brasil não para de crescer. Na última pesquisa anual sobre os investimentos privados em tecnologia da informação divulgada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em junho de 2020, levantou-se que tínhamos mais de um smartphone em uso por habitante, num total de 234 milhões de aparelhos funcionando. E o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em abril do mesmo ano, complementa: o celular é o principal meio de acesso do brasileiro à internet. Mais de 98% das pessoas com 10 anos de idade ou mais acessaram a internet por meio de um smartphone em 2018.
Até aí, nada de preocupante. Mas uma pesquisa realizada por uma consultoria privada divulgada também em junho de 2020 mostra que o Brasil é o terceiro país no ranking dos que passam mais tempo mexendo em aplicativos, incluindo os de compras e pedidos de comida. Abaixo da China e da Indonésia nesse ranking, alcançamos a média de três horas e quarenta e cinco minutos por dia ligados em aplicativos. E isso foi em 2019, antes da pandemia, quando não passávamos tanto tempo confinados dentro de casa e podíamos almoçar fora. Imagina em 2020.
Segundo os dados do IBGE, que são de 2018, o principal uso que o brasileiro faz do celular com internet é a troca de mensagens e imagens (mais de 95%), seguida de conversas por voz ou vídeo.
Calma. Não vale a pena se precipitar. Antes de arriscar um autodiagnóstico, atente para o que a ciência está começando a descobrir.
Um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) investigou especificamente a ocorrência de alterações emocionais associadas ao uso do smartphone em pacientes com síndrome do pânico e agorafobia (uma espécie de medo de ter medo) em comparação com o comportamento de um grupo de controle composto por pessoas não diagnosticadas. Os resultados mostraram que, entre os pacientes com síndrome do pânico, houve aumentos significativos de ansiedade, taquicardia, alterações respiratórias, tremores, transpiração, pânico, medo e depressão relacionados à falta do celular em mãos, em comparação com o grupo controle.
E em ambos os grupos foram observados sinais de dependência (vício) e de recuperação do bem-estar quando a posse do celular foi restabelecida. O estudo conclui que a reação emocional em pessoas com transtornos de pânico e agorafobia é maior que em pessoas saudáveis.
Isso acontece, segundo o estudo, porque os pacientes com pânico se sentem mais seguros quando sabem que poderão usar o telefone para pedir socorro se precisarem. Nesses casos, o aparelho é uma espécie de botão vermelho sem lacre que dá acesso instantâneo a um ouvido amigo.
Os pacientes com agorafobia, por sua vez, usam o aparelho para evitar eventuais ataques de ansiedade. Assim, motivados pelo desejo de escapar da ansiedade, acabam usando o celular indevidamente.
Em pessoas sem esses transtornos, segundo esse estudo brasileiro, o vício em celular pode ser uma manifestação de um desequilíbrio anterior, como por exemplo o transtorno de personalidade dependente. Essa condição é caracterizada pelo medo do abandono, a autopercepção de ser fraco e incompetente e a dificuldade em atender às demandas do dia a dia. Nessas pessoas, teorizam os autores, o vício em celular pode revelar a necessidade de algo que facilite o relacionamento social e a comunicação para aumentar a autoestima.
Ainda de acordo com o artigo da UFRJ, pessoas com transtorno de personalidade ansiosa, por sua vez, podem julgar se são amadas e aceitas com base no número de ligações que recebem por dia. Se julgarem que estão recebendo menos ligações que seus amigos, poderão se sentir mais rejeitadas.
Em 2015, pesquisadores americanos criaram um questionário para detectar sinais de nomofobia. Em 2019, pesquisadores brasileiros traduziram, adaptaram e testaram esse questionário, considerando a cultura do nosso país. Com isso, existe um questionário de nomofobia validado no Brasil para verificar se uma pessoa tem ou não nomofobia.
As perguntas do questionário, que deve respondido pelo paciente de acordo com sua própria percepção, procuram identificar em que medida ficar sem o celular gera sofrimento associado a:
Perda ou ausência da possibilidade de entrar em contato com outras pessoas imediatamente, quando desejado.
Sentimento de perda da conectividade onipresente, aquela que dá a sensação de estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo, e de ficar desconectado da sua identidade digital nas redes sociais.
Desconforto generalizado pela perda do acesso instantâneo a informações.
Sentimentos de abdicação da convivência com os demais.
Convém observar se estamos usando o celular de forma saudável.
Se você acredita que tem motivos para buscar um diagnóstico, procure ajuda especializada.
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